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sexta-feira, 12 de maio de 2017

O homem destruído


Existia um homem ciborgue conhecido como R3-D3. Um dos seus hobbies favoritos era passear a noite na praia e molhar os pés com a água do mar. Gostava também de sentir a brisa gélida em sua pele artificial. Numa de suas muitas caminhadas recebeu um telefonema de seu dono:
- Está me ouvindo R3?
- Pois não mestre Brankley? – Respondeu prontamente.
-Boas novas. Você está oficialmente livre!
- E o que devo fazer senhor? – Indaga R3.
- Bem, a partir de agora é com você. Seus serviços já foram demasiadamente úteis para minha família. – Respondeu o senhor de voz pacífica.
R3-D3 há muito tempo havia pensado sobre a liberdade. Quando chegou o momento de descobri-la por conta própria uma simulação de medo tomava conta de sua central neural.
Vencendo o medo inicial o organismo vagou durante décadas. O único padrão nesses locais dos quais passava era a presença de praias. De alguma forma para R3 observar a imensidão do mar possibilitava uma maior proximidade com o “jeito humano de sentir”.
Certo dia R3 percebia a luz da lua levemente mais clara, perguntava-se, como se quisesse enganar-se, quem tinha criado. De fato, o ciborgue armazenava em seus circuitos milhares de terabytes de informações, para ele tal indagação não fazia sentido nenhum.
Perto dali uma ciborgue modelo L4 fêmea, aproximou-se e perguntou:
- Está perdido?
- Não, sou apenas um ciborgue errante. – Respondeu admirado com o design futurista de L4.
- Então você fugiu de seu dono?
- Não, receio que essa falha nem seja permitida em modelos antigos como o meu.
- E qual o seu modelo? – Pergunta a ciborgue em modo de curiosidade.
- Pertenço a décima geração.
- Hum, um pouco ultrapassado, mas ainda popular.
Estas últimas palavras parecem ter provocado um efeito negativo sobre R3-D3. Ainda assim acha interessante manter a conversa com a ciborgue:
- E qual o seu modelo? – Indaga R3.
- Décima segunda geração. – Responde L4 sem muito entusiasmo.
- Curioso. Suas peças devem ser valiosas.
- Obrigada, mas só os humanos dão extrema importância para os valores.
- Talvez eu também dê importância. – Complementa R3 com tom sério.
L4 estava sentindo uma simulação mais forte do que a de alegria que vinha instalada de fábrica em seu organismo cibernético. Parecia-lhe uma simulação totalmente diferente.
Durante certo tempo L4 e R3-D3 andaram a noite na praia e conversaram sobre assuntos deveras simples. Para quem os observasse de longe poderia comparar os dois a um casal adolescente.
R3 provocava na ciborgue simulações cada vez mais complexas o que deixou o organismo fêmea totalmente viciado em sua companhia. Percebendo a sua completa entrega R3 convidou-a para conhecer outras praias. Citou de forma clara o termo “fugir de tudo”.
No começo L4 estava relutante, mas percebeu que já não mais poderia existir sem R3-D3. A ciborgue rompeu com a criptografia de sua programação e fugiu com o ciborgue.
Num dado momento andando numa praia a ciborgue revelou:
- Meu R3, o antigo dono às vezes andava de mãos dadas com sua esposa. Nunca entendi muito bem o que isso significava, mas agora ao seu lado venho sentindo o desejo de juntar meus dedos aos teus. - R3 assentiu com a cabeça e sorrindo deu sua mão direita para L4.
Mais tarde foram a praia e R3 convidou L4 para sentar na areia. Sentou-se atrás dela e abraçou-a na altura de sua cintura. Sussurrou:
- Desculpe-me. – Partindo-a ao meio.
Tudo ocorreu numa fração de segundo. L4 sequer pôde perceber que estava despedaçada. R3 tirou o microchip responsável por simular emoções da cabeça da ciborgue e implantou em si mesmo. Enterrou as peças de ciborgue destroçada na areia.
Olhou para a lua, pôs a mão no peito e disse para si:
- Não funcionou.

Levantou-se, entrou no mar e quando o sol nascia no horizonte R3-D3 já havia deixado de existir.