Existia um homem ciborgue conhecido
como R3-D3. Um dos seus hobbies favoritos era passear a noite na praia e molhar
os pés com a água do mar. Gostava também de sentir a brisa gélida em sua pele
artificial. Numa de suas muitas caminhadas recebeu um telefonema de seu dono:
- Está me ouvindo R3?
- Pois não mestre Brankley? – Respondeu
prontamente.
-Boas novas. Você está oficialmente livre!
- E o que devo fazer senhor? – Indaga R3.
- Bem, a partir de agora é com você.
Seus serviços já foram demasiadamente úteis para minha família. – Respondeu o
senhor de voz pacífica.
R3-D3 há muito tempo havia pensado
sobre a liberdade. Quando chegou o momento de descobri-la por conta própria uma
simulação de medo tomava conta de sua central neural.
Vencendo o medo inicial o organismo
vagou durante décadas. O único padrão nesses locais dos quais passava era a
presença de praias. De alguma forma para R3 observar a imensidão do mar
possibilitava uma maior proximidade com o “jeito humano de sentir”.
Certo dia R3 percebia a luz da lua
levemente mais clara, perguntava-se, como se quisesse enganar-se, quem tinha
criado. De fato, o ciborgue armazenava em seus circuitos milhares de terabytes
de informações, para ele tal indagação não fazia sentido nenhum.
Perto dali uma ciborgue modelo L4 fêmea,
aproximou-se e perguntou:
- Está perdido?
- Não, sou apenas um ciborgue errante. –
Respondeu admirado com o design futurista de L4.
- Então você fugiu de seu dono?
- Não, receio que essa falha nem seja
permitida em modelos antigos como o meu.
- E qual o seu modelo? – Pergunta a
ciborgue em modo de curiosidade.
- Pertenço a décima geração.
- Hum, um pouco ultrapassado, mas ainda
popular.
Estas últimas palavras parecem ter
provocado um efeito negativo sobre R3-D3. Ainda assim acha interessante manter
a conversa com a ciborgue:
- E qual o seu modelo? – Indaga R3.
- Décima segunda geração. – Responde L4
sem muito entusiasmo.
- Curioso. Suas peças devem ser
valiosas.
- Obrigada, mas só os humanos dão
extrema importância para os valores.
- Talvez eu também dê importância. –
Complementa R3 com tom sério.
L4 estava sentindo uma simulação mais
forte do que a de alegria que vinha instalada de fábrica em seu organismo
cibernético. Parecia-lhe uma simulação totalmente diferente.
Durante certo tempo L4 e R3-D3 andaram
a noite na praia e conversaram sobre assuntos deveras simples. Para quem os
observasse de longe poderia comparar os dois a um casal adolescente.
R3 provocava na ciborgue simulações
cada vez mais complexas o que deixou o organismo fêmea totalmente viciado em
sua companhia. Percebendo a sua completa entrega R3 convidou-a para conhecer
outras praias. Citou de forma clara o termo “fugir de tudo”.
No começo L4 estava relutante, mas
percebeu que já não mais poderia existir sem R3-D3. A ciborgue rompeu com a
criptografia de sua programação e fugiu com o ciborgue.
Num dado momento andando numa praia a
ciborgue revelou:
- Meu R3, o antigo dono às vezes andava
de mãos dadas com sua esposa. Nunca entendi muito bem o que isso significava,
mas agora ao seu lado venho sentindo o desejo de juntar meus dedos aos teus. - R3
assentiu com a cabeça e sorrindo deu sua mão direita para L4.
Mais tarde foram a praia e R3 convidou
L4 para sentar na areia. Sentou-se atrás dela e abraçou-a na altura de sua
cintura. Sussurrou:
- Desculpe-me. – Partindo-a ao meio.
Tudo ocorreu numa fração de segundo. L4
sequer pôde perceber que estava despedaçada. R3 tirou o microchip responsável
por simular emoções da cabeça da ciborgue e implantou em si mesmo. Enterrou as
peças de ciborgue destroçada na areia.
Olhou para a lua, pôs a mão no peito e
disse para si:
- Não funcionou.
Levantou-se, entrou no mar e quando o
sol nascia no horizonte R3-D3 já havia deixado de existir.