Páginas

sábado, 31 de janeiro de 2015

Conto: "O Cético e o Crente"



O CÉTICO E O CRENTE


 


 Escrito por: Blog Criativo Filme


Num dia chuvoso o crente chega de trem à cidade onde morava o cético. O cético esperava o crente com um largo sorriso no rosto e ao reencontrá-lo deu-lhe um abraço apertado dizendo:
- Meu caro, há quanto tempo não nos víamos. De fato o acaso nos pregou peças não é mesmo?
- Não o acaso, nossos caminhos foram traçados pelas nossas escolhas. Esse é o grande peso do livre arbítrio.
- Vejo que ainda crê nesses conceitos não é? Sempre tentando explicar de forma espiritual o que ainda não pode ser explicado. Sempre tentando enxergar além do que os seus olhos podem ver ou que sua mente pode provar.
- De fato, velho amigo, sempre tento enxergar o que a razão humana não concebe. Se eu acreditasse somente naquilo que enxergo certamente deixaria de crer.
- Esse é o peso da razão é um alto preço que nós estudiosos pagamos por conhecer. Quanto mais estudo mais distante do sobrenatural eu fico. Acredito que o conhecimento me liberta da fraqueza que é a fé.
- O que é fé para você neste caso?
- Ora, a fé é apenas um sentimento que surge no desespero. É um sentimento que se nutre através do medo da morte. Através da fé o homem tenta esconder a certeza de que no fim da vida não há nada. 
- O nada não seria alguma coisa?
- Não o entendo. O nada é nada. O nada é o que não há. Simples, o nada é o fim. O que alguma vez existiu deixa de existir e vira nada.
- Antes de tudo existir o que existia?
- Nada.
- Mas se tudo veio do nada como do nada poderia existir tudo?
- Um grande choque, uma grande explosão. Você conhece tão bem quanto eu a origem do Universo. Eu lembro de ter lhe ensinado bem.    
- Eu conheço somente as teorias, mas se ouve uma grande explosão...
- Sei onde quer chegar, todos os argumentos chegam neste clichê: “O que causou a grande explosão?” Bem lhe adianto dizendo que não existe quem, mas o que causou a grande explosão e minha última resposta sobre o que causou a grande explosão foi nada mais do que o acaso. É simples, num momento antes do tempo existiram condições que propiciaram uma grande expansão há calculados mais de 13 bilhões de anos atrás. Aconteceu, bang! E assim tudo que sabemos e o que ainda não conhecemos existiram e existem não é preciso Deus. 
- Como explicar o nada sem admitir a existência de um Deus? Tudo ainda seria nada. É necessário que haja algo para existir tudo e esse algo pode ser explicado por Deus.
- Esse algo é cálculo não um conceito humano. Conceitos só viram realidade quando são devidamente provados. Como podes provar-me que Deus existe?
- Porque você existe. Se Deus não existisse você não existiria.
- Seu argumento pode ser facilmente debatido, pois eu não existia antes de nascer. E todo ser humano é apenas fruto de uma evolução. Antes dos homens não existia o conceito de Deus ou de Deuses. Na época dos dinossauros, por exemplo, não existia catolicismo, protestantismo, budismo, judaísmo. Tanto deuses como Deus são apenas invenções humanas criadas para entender a realidade de forma distorcida e irreal.
- O que é a realidade para você?
- Aquilo que eu vejo, toco ou provo cientificamente.
- Entendo. Sendo assim suponhamos que você não seja cientista seja apenas uma pessoa qualquer que nunca teve a oportunidade de estudar. O que seria a realidade para você?
- Bom, são informações muito vagas, porém nesse caso acredito que a minha realidade seria o que sinto, vejo ou toco. Ou seja, seria mágica. Provavelmente recorreria ao sobrenatural para explicar o que para mim não seria explicável.
- Ainda neste papel de uma pessoa sem conhecimentos científicos, gostaria que você me explicasse o azul do céu. Isso mesmo. Suponha que seu filho lhe pergunte: “Pai por que o céu é azul?” O que diria ao seu filho?
- Não sei.
- O “não sei” é para minha resposta ou para o seu filho.
- Para o meu filho. Aonde quer chegar?
- Continue no papel. Papai por que morremos?
- Essa é a ordem natural das coisas meu filho. Tudo é energia que será transformada. É preciso que haja morte para que outros vivam.
- Essa foi uma resposta bem científica.
- Ora, não seria justo entrar em um papel que não domino eu não posso fugir de minha razão!
- Muito bem seja o cientista agora. Pai por que você não acredita em Deus?
- Por que sua mãe e tio morreram de câncer, sua avó de depressão e seu avô tornou-se um alcoólatra. E o que me salvou da loucura foram os estudos, foi o meu esforço, eu me salvei sem recorrer ao fantástico!  
- Pai, sabe por que eu sou Padre?
- Realmente não sei e também nunca entendi por que não seguiu a carreira científica.  
- Por que eu o senti.
- Não entendo.
- Quando a mamãe estava morrendo eu parei de rezar e prometi a mim mesmo que nunca mais frequentaria uma missa e muito menos que seria padre. Eu prometi que nunca mais creria em Deus. Naqueles tristes momentos, para mim, Deus havia deixado de existir. Pai na noite que mamãe morreu, lembra?
- Nunca esqueci meu filho.
- Naquela noite, num dia chuvoso como este. Mamãe sentia uma dor inimaginável estava morrendo na minha frente. Não tinha ninguém quem eu pudesse chamar para ajudá-la não tínhamos mais remédios para dor. Nos seus últimos momentos ela sorriu me beijou e me disse com muita dificuldade:
- Meu filho, eu te amo.
- Naquele dia pai, eu presenciei o amor verdadeiro. Um amor tão grande como o de uma mãe para um filho não nasceria do nada.


FIM