Caderneta
01:
18/abril
Não
se sabe ao certo como vieram parar aqui, sabem apenas que aqui estamos. A
concha é um lugar isolado e misterioso, traz consigo marcas de um conflito
desconhecido ameaçado por criaturas monstruosas e letais. Todos vestem branco,
pois é a única opção de roupa que se tem. Não temos nomes apenas números, não
temos muitos sonhos, mas se lhe concedessem um desejo escolheríamos conhecer o
mundo além da concha.
22/abril
Eu
me chamo 20895-B, mas alguns me conhecem por 2-B acordei há cinco anos atrás e
desde então tento entender este lugar. Assim como todos aqui não conheço minhas
origens, vou levando a vida (ou o que pode se chamar de vida) em busca do
grande portão.
23/abril
Este
é meu caderninho de anotações que consegui com muito sacrifício trabalhando com
os generais, que são como nós, apesar de não quererem ser. “O caminho”, nossos
“líderes” parecem ter um interesse especial nas nossas anotações ou pelo menos
penso isso, pois não existe nenhuma proibição em escrever durante os dias aqui.
03/maio
Me
pergunto se eu fui um escritor famoso fora da concha, porque eu me sinto mais
livre quando eu escrevo. Abstraio durante alguns momentos e posso imaginar como
é o mundo livre das criaturas.
06/maio
Algo
muito importante que eu ainda não citei é o valor das palavras. Nossas palavras
são contadas, temos um total de dez por dia. Ninguém sabe o motivo de serem dez
palavras, apesar de haverem muitas teorias que deixarei de fora desta anotação.
08/maio
Aqui
as pessoas podem se relacionar, conheci um casal que teve um filho, o que eu
acho loucura. Quem em sã consciência poria um filho neste mundo?! Eu não. Apesar disso 4-C e 2-A são ótimos, os
conheci numa caçada a aranha da montanha. Quase morri, mas 4-C me salvou em
tempo de ser esmagado por suas patas gigantes. 2-A proferiu o último golpe e
derrubou o bicho. Desde então me relaciono com eles e nos protegemos.
12/maio
Muitas
pessoas enlouquecem aqui, não aguentam o fardo e eu as entendo ao invés de
julgá-las. É uma vida muito dura e injusta e constantemente em nossa mente vem
o desespero de permanecer aqui para sempre. Mas alguns poucos dizem que há
esperança, e alguns afirmam que já conheceram um libertado. Será que algum dia
eu serei um libertado?
14/maio
Eu
vi uma moça hoje no campo de plantação, ela era muito bonita. Eu geralmente não
me aproximo de estranhos, mas uma vez na vida resolvi interagir. Ela foi
agradável, até sorriu para mim e eu retribuí. Nos olhamos por alguns minutos e
percebi que seus olhos eram lindos. Espero encontra-la novamente.
21/maio
4-C
me convidou para ir atrás de um carregamento que caíra na floresta. No início
eu fiquei relutante, pois tínhamos ração o suficiente para três dias. Mas ele
insistiu dizendo que talvez houvessem algumas canetas. Prontamente eu fui com
ele. Enfrentamos alguns touros raivosos sem grande problema. Conseguimos
algumas latas de ração de porco e duas canetas. Tirando o porco a recompensa
foi satisfatória.
23/maio
2-A
estava preocupada, pois seu filho pequeno N estava doente, estava quente e não
conseguia sair da cama. 4-C foi atrás de algumas plantas na floresta e preparou
um chá. N ainda está se recuperando, mas já está melhor. N têm sorte, pois têm
2-A e 4-C. Na concha poucas pessoas se importam verdadeiramente com você.
30/maio
Fiquei
curioso, pois hoje vi um grupo de sete pessoas perto do campo, eles me
convidaram usando suas palavras: “Vamos achar um? ” Eu não entendi por que eles
gastaram suas palavras assim. Mas seria rude não os responder com palavras
também: “Obrigado eu tenho família. ” Eles compreenderam e agradecerem com
gestos. Um é o primeiro morador, dizem que ele possui mais conhecimentos do que
todos. Algumas pessoas arriscam a vida para encontra-lo eu não acredito que ele
ainda esteja vivo, a concha deve ter milhares de anos.
07/junho
Passei
o dia procurando pela moça que eu encontrei a uns dias atrás no campo de
trabalho. Não a encontrei. Tive um sonho esquisito com ela, é estranho, porque
só a vi uma vez na vida. Sonhei que estávamos de mãos dadas olhando o rio,
parecia um lugar diferente da concha. Deitamo-nos no chão e começamos a olhar
para cima, não víamos a estrutura de metal que reveste a concha, mas algo mais
profundo que eu não pude identificar, era apenas escuridão, mas no sonho era como
se estivéssemos vendo a coisa mais linda do mundo. Foi apenas um sonho,
infelizmente.
09/junho
4-C
me pediu que ensinasse N a caçar pequenos monstros. N é esquisito, não que
exista alguém que não seja esquisito neste lugar, mas ele é mais introspectivo
do que todos os outros. Não gesticula bem e ás vezes quando sua mãe gasta
algumas palavras com ele parece ter dificuldade em entender. Não se pode culpá-lo
afinal esse mundo não foi feito para crianças, a maioria de nós veio parar aqui
já adulto.
20/junho
4-C
conseguiu uma nova lança num carregamento que caiu na estrada, disse que estava
pescando quando viu o balão se aproximando. Parece mais robusta e será uma
importante ferramenta para enfrentar os monstros. Ele me deu seu antigo arco e
eu estou muito feliz com isso. N pôde ficar com meu escudo e minha espada, ele
não parece muito animado com o presente.
(Continua)
PS: Este conto surgiu de um sonho que eu tive
a poucos dias atrás. Nele eu via várias pessoas vestidas de branco ou qualquer
outra cor, pois estava sonhando e não sei bem o que vi. Algumas pessoas estavam
trabalhando e percebi que existiam ruas em ruínas e prédios abandonados. Acordei
empolgado para escrever sobre, mas um sonho é algo muito confuso e tive que
criar a maior parte do texto com base em qualquer coisa que eu tenho visto na
vida, pois é assim que eu escrevo. O que me chamou atenção no sonho é que
algumas pessoas tinham diferentes etnias e nem todos falavam a mesma língua apesar
de viverem no mesmo local. Preciso desenvolver e acrescentar este fato na
história que acho importante. Já pensei num final para a história, mas espero
chegar até o final dela haha!